Lili era uma miúda tímida e sonhadora
que gostava de percorrer os campos cobertos de flores, ouvir os chilreios dos
pássaros, na Primavera, de vigiar as estrelas e desvendar as suas histórias,
nas noites cálidas de Verão.
Havia uma estrela muito especial,
mais brilhante que todas as outras, que piscava para ela como se guardasse um
segredo. Todas as noites, deitada na relva, contava-lhe as suas aventuras e os
seus desejos mais profundos: ser corajosa, conhecer outros mundos e, quem sabe,
encontrar a magia que só existia nos livros antigos do avô Ernesto.
Numa dessas noites, enquanto o céu
se cobria de constelações, uma brisa morna soprou e uma luz suave desceu do
firmamento. Era um fio prateado, quase invisível, que descia até tocar em Lili.
Nesse instante, tudo à sua volta silenciou: os grilos calaram-se, o vento parou
e até o tempo pareceu ficar sem respiração.
Uma voz suave, como o som das
folhas ao serem agitadas pela brisa, murmurou-lhe ao ouvido:
— Lili, está na hora. A Porta das Estrelas
abriu-se…
Confusa, mas não conseguindo
controlar a excitação, Lili levantou-se. Diante dela, entre os carvalhos do
velho bosque, um rasgão de luz rasgava o ar. Era uma porta suspensa feita de
névoas douradas e estrelas cintilantes. Sem pensar, deu um passo em frente.
Do outro lado da Porta, Lili
sentiu-se envolta por uma luz morna e um perfume doce, como se o ar cheirasse a
maçãs verdes e folhas molhadas. Os pés tocaram no chão macio coberto de musgo e
de flores que se fechavam e abriam. O silêncio era enternecedor, mas durou
pouco.
Ouviu um espirro sonoro e
inesperado.
— Atchim! — ouviu-se por
detrás de uma pedra coberta de líquenes.
Lili aproximou-se com cautela e
espreitou. Foi então que o viu um velhinho diminuto, com um chapéu de mágico e
um longo casaco castanhos claros, demasiado grandes para o seu tamanho. Tinha longas
barbas brancas e trazia na mão um tosco tronco de árvore, como se empunhasse um
cetro de um rei celestial.
— Ora bolas! Estas flores da árvore
mágica fazem-me espirrar sempre que alguém atravessa a Porta das Estrelas -
resmungou ele, limpando o nariz com um lenço pequenino.
— Tu és um duende? — perguntou
Lili, surpreendida e maravilhada.
— Sou o ancião Frederico, guardião do
Caminho das Pedras Prateadas, disse ele, fazendo uma vénia atrapalhada. — E tu
deves ser a Lili, a miúda sonhadora que fala com estrelas. Finalmente chegaste!
Lili arregalou os olhos.
— Como sabes o meu nome?
— As estrelas falam demais... E
dizem que o Reino do Reviratempo precisa de ti. Mas atenção! Aqui, os sonhos
guiam-te, mas os medos também te seguem. Tens de saber escolher com o coração.
O duende Frederico sorriu com astúcia
e estendeu-lhe um mapa feito de pétalas costurado por aranhas.
— Lili, o teu primeiro passo é
encontrar a Árvore da Memória, onde os segredos dos destinos humanos estão
guardados...
Lili apertou o mapa com força. A
Árvore da Memória estava no centro do Reino de Reviratempo, rodeada por terras
cinzentas, árvores secas e rios que já não trauteavam. O ar ali era pesado,
como se o próprio mundo estivesse a sufocar…
— O que aconteceu aqui, Frederico?
— perguntou Lili, sentindo-se entristecer.
— A Magia da Natureza adormeceu —
respondeu o duende. — Os homens do lado de lá esqueceram-se de respeitar a
Terra, e o reflexo disso chegou até aqui. Mas tu tens a força da Mudança.
Lili ajoelhou-se diante da Árvore
da Memória, alta e antiga, mas com os ramos despidos. O duende pousou a mão
sobre o tronco e sussurrou:
— Mostra-lhe o caminho.
Num instante, a árvore brilhou com
uma luz verde suave e um feixe brilhante desceu até às mãos de Lili, que sentiu
algo a crescer entre os dedos: uma pequena semente dourada, promissora de
outras existências...
— Esta é a Semente da Nova Vida —
disse Frederico, solenemente. — Mas não basta plantá-la. Tens de viajar pelo
Reino de Reviratempo e curar a terra com cuidado e respeito. Cada ato teu fará renovar
a natureza.
E assim, começou a verdadeira
missão da menina.
Lili caminhou com Frederico por
vales secos, onde plantava flores com palavras de encorajamento. Tocava nas
águas escuras dos lagos e murmurava histórias de tempos mais puros e os peixes
voltavam. Libertou pássaros presos em gaiolas de fumos tóxicos, e eles levaram
sementes para longe e a natureza abria-se à mudança com vigor e harmonia.
No final, quando regressou à Árvore
da Memória, já não era a mesma menina tímida. Estava mais alta, tinha os olhos
cheios de um brilho, onde vivia a firmeza, como se fosse a raiz de um carvalho.
Plantou a semente no solo. De repente, uma explosão de folhas verdes e flores
azuis cobriu o tronco da Árvore da Memória que voltou a respirar tranquilamente.
E o Reino do Reviratempo floresceu profusamente…
Lili sorriu e compreendeu: a
verdadeira magia acontece quando as mãos tocam na terra e os olhos despertam
para o pulsar do mundo. E enquanto houver alguém que plante com esperança,
limpe com ternura e ame com raízes fundas, a Terra florescerá e a vida
renascerá.
Junho de 2025
Lizete Pinheiro
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