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Em jeito de Despedida

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  EM JEITO DE DESPEDIDA... Aos meus alunos do 12.º ano Não há nada mais triste que uma ausência (...), só fica uma pungente melancolia, esta que faz (...) sentar ao cravo e tocar um pouco, quase nada, apenas passando os dedos pelas teclas como se estivessem olhando um rosto quando já as palavras foram ditas ou são de menos.   José Saramago, Memorial do convento   Em conformidade com o desafio que me foi colocado, venho apresentar em retrospetiva alguns momentos que caracterizaram estes três anos de convívio e partilha de conhecimentos e de afetos com a turma de artes. Em setembro de 2019, conheci a maioria dos alunos que faz parte desta turma. Como em qualquer início de ano letivo, o meu estômago torcia-se de perturbação e nervosismo e a voz não obedecia à minha vontade de demonstrar segurança e clarividência. Tinha à minha frente um grupo de gente desconhecida. Não lhes sabia as vidas, os modos, os gostos. Tentava sondar os verdadeiros seres escondidos em cada rosto… Em 33 a

A uma Senhora das Artes...

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 Para a Cristina... (Porque é véspera de S. João e data do seu aniversário) De olhar claro, sem mágoas, sustentado com firmeza, Passo curto de rainha, pés ligeiros de princesa, Aracne, livre e serena, tecelã rival de Atena, Mulher sempre menina com frescura de açucena! No pente, enlaça os fios e a trama vai formar, Com trapilhos coloridos, bate bem o seu tear. Entre as telas de uma vida, borda feitos imortais, Transforma a névoa de sonhos em texturas magistrais… De papel germinam flores, origamis de mil cores revolitam pelo ar…                    E, dos nós, recria pontes, ilumina os horizontes E caminhos por achar…   Ermesinde, 23 de junho de 2021                    

Em terras ancestrais

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Em terras ancestrais... Rio Douro, Miradouro de Ujo Qu em passa para lá do Marão ascende a um paraíso feito de fragas sobre fragas, como se os gigantes, filhos irreverentes de Geia, irrompessem do seu ventre para eternizar, na recordação dos tempos, a efémera e trágica condição humana. Ermesinde, 2 de janeiro de 2021

Simplesmente Maria

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  SIMPLESMENTE … MARIA! As fotografias fazem viver dentro de nós momentos únicos, retalhos de vida, emoções fortes ou melodramas pessoais. Fazem-nos conhecer, talvez, algumas circunstâncias contidas apenas na memória de quem as vivenciou. Naquela tarde, quando o outono anunciava chuva e o aconchego apetecia, abri a gaveta que alberga um amontoado de estórias de outros tempos e recolhi uma gravura que pertencera à minha avó paterna Virei o verso da estampa e reparei que tinha a data de 1961, quando o filho mais velho partira para a guerra do ultramar. A ternura do abraço do filho que elevava a mãe era surpreendente para mim. A avó Maria viera despedir-se do primogénito, antes de este entrar para o navio, que o levava para combater os “turras” e iria fazer parte do primeiro grupo de paraquedistas na guerra de Angola. Seria um espaço de entendimento, de conjugação do amor entre mãe e filho que sempre existiu na alma de cada um, mas não na comunicação dos afetos. Lembro-me do recon

A casa dos avós

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  A casa dos meus avós Lembro-me da casa dos meus avós maternos, numa idade propícia a fantasias e cogitações existencialistas. Era uma casa sombria e carregada de mistérios. As paredes volumosas e graníticas albergavam segredos insondáveis de famílias perdidas no tempo e só conservados nas conversas à lareira… Recordo de, num tempo longínquo da minha infância de mulherzinha precoce entre folhos e florzinhas, ter entrado numa casa escura sem eletricidade nem luz solar. Esta só podia, sorrateiramente, assomar por uma vidraça no quarto dos meus avós para anunciar uma nova jornada de trabalho. Era a única janela da casa. O resto eram tábuas de sobrado com buracos e aberturas (por onde passava uma candeia para iluminar a adega que ficava por baixo da cozinha); eram paredes de madeira com frinchas, que permitiam observar as atividades enigmáticas dos vizinhos; eram blocos de granito frio e austero com esconderijos onde se guardavam produtos agrícolas mais raros e menos perecíveis, certo

Senhora de si…

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Senhora de si… Quando a menina botão de rosa desperta de um longo sono, Vive em folhos e lacinhos, tiaras e vestidinhos, numa vida deleitosa… Deseja ser princesa porque rima com beleza E mantem o seu destino de uma forma prazerosa…   Quando a primavera, com todo o seu vigor, desponta, A menina botão de rosa torna-se mulher de corpo inteiro. E o ventre, onde germina uma seiva profetisa do universo, Transforma-se em fonte, em teto, em colo, em canteiro!   Quando o estio, no seu auge, os pomos amadurece, A mulher de corpo inteiro torna-se senhora fera amansada . E, tal como Sísifo, suporta o inferno dos seus dias e o dos outros. E, nos olhos, traz ninhos de abraços e uma brisa descansada …   Quando o outono as árvores começa a pintar, A senhora fera amansada volta a menina botão de rosa O caminho fica mais curto e merece concentração    Qualquer degrau é penoso, mas a vida continua sempre, sempre prazerosa… Lizete Pinheiro  outubro de 2021

Ao Sérgio Matias, o nosso pai e avô!

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  Para todos os pais ou avós, principalmente de meninas (que são um amor para toda a vida...), e para todos aqueles que ainda o poderão ser...!!! Para o meu pai (e outros pais também especiais)  Quando era pequenina, o meu pai tinha: Um colo singular, pernas para baloiçar e barriga para pular… Era um galã de cinema, com olhos de musgo aveludado e sempre bem penteado… Nas épocas festivas, estava sempre longe, perdido, ausente…   Mais tarde... quando a minha altura atingiu o terceiro botão da sua camisa e crescia na ponta dos pés,  dava-lhe um beijo repenicado na cara barbeada, depois da espuma sulcada pela gilett e.   Nessa fase de criança-adolescente, tornou-se o meu porto de abrigo, opositor do chinelo, excelente orador e exímio contador de façanhas e patranhas….  Foi ouvinte paciente e crítico eloquente…, Empreendedor, visionário e, por vezes, revolucionário… Fortaleza intransponível, de ousadia e teimosia… Era também um bom jogador de  cartas e  damas, batoteiro e galhofeiro… (Cad