O conto
A personagem entra numa adega
escura, tirando as luvas. É difícil adaptar-se à escuridão.
Numa noite silenciosa, de lua cheia, com os passos suaves a ecoar
no silêncio, Cecília, a filha mais nova da família, entrou na adega escura, com
cuidado. Tirou as luvas, depois de ter vasculhado com elas a arca do sal para
encontrar a chave que lhe dava acesso à cave, sentindo um calafrio, devido à
aragem fria e penetrante do ar que a perturbava. A escuridão dificultava-lhe os
movimentos e a cada passo fazia um esforço para se orientar. Os olhos iam-se
ajustando lentamente à penumbra, tentando desvendar segredos escondidos entre os
pipos, as prateleiras de garrafas antigas e as caixas de madeira. Apesar da
ansiedade, ela estava determinada a encontrar, na escuridão, carregada de
mistérios, algo que procurava há muito tempo: uma verdade, uma revelação importante
relacionada com o passado. Por isso, evitava o cheiro intenso a mosto que
invadia o espaço, superando mais esse obstáculo de descobrir o que ali esperava
para ser revelado…
A certa altura, os pés embateram numa estranha e antiga caixa de
madeira, cheia de objetos esquecidos. Com o auxílio dos feixes da luz lunar que
penetravam pelas frinchas do teto, vasculhou o interior daquele baú e encontrou
uma fotografia desbotada de alguém que ela reconheceu imediatamente - sua avó
materna. A imagem trouxe-lhe um sorriso nostálgico, mas também uma sensação de
saudade e mistério, como se houvesse uma história não contada por trás daquele instante
congelado no tempo.
Soubera pela mãe que a
avó e o avô não tinham conhecido os pais, uma vez que tinham sido abandonados à nascença na roda da igreja e nunca
quiseram saber das suas origens. Agora aparecia diante dela, através dessa
foto, uma imagem idêntica à mãe da sua melhor amiga, trazendo à tona uma
mistura de emoções: surpresa, curiosidade, talvez até uma sensação de conexão
perdida ao longo do tempo.
Esse
retrato simbolizava agora uma ponte entre o passado e o presente, uma lembrança
de raízes que ela e a família nunca conheceram completamente. Ao olhar para a
imagem, ela sentia uma vontade profunda de entender mais sobre a história da
sua avó, de descobrir quem ela realmente fora e como essa história estava associada
à sua própria vida. Ficou a olhar fixamente para a imagem, imaginando quem teria sido,
realmente, essa mulher, que desafios teria enfrentado e os motivos que os
progenitores tiveram para a deixar abandonada ao destino.
A partir desse momento, Cecília
decidiu que iria tentar desvendar as origens da avó e os meandros que
associavam a figura da mãe da Celina à imagem que emanava da fotografia
desbotada da avó…
Junho de 2025
Lizete Pinheiro
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