Poesia ou Prosa?

 

- Foste tu que roeste a meia, Cacau?! Vais ficar de castigo!

Desde que foi adotada pela nossa família, a Cacau tem uma predileção por meias e chinelos.

Em 2020, em plena pandemia, fomos agraciados com a chegada de uma cadelinha “deliciosa”, um novelo de pelo castanho e branco, muito ciosa das suas funções: ladra, desalmadamente, a quem passa na rua ou a tudo o que mexe.

Na altura, tínhamos acabado de adotar uma gatinha que tinha sido resgatada de uma ninhada abandonada. Como eram as duas “minorcas” e tinham de ser separadas do nosso Inspetor “Max”, a quem não agradava muito a partilha de afetos e a convivência com as duas novas intrusas, elas acabaram por partilhar a cozinha, longe do território do nosso cão.  Por isso, tornaram-se irmãzinhas inseparáveis: dormiam juntas, partilhavam o pratinho da comida para canídeos e o colinho dos donos.

Nessa altura, ainda que os homens de casa estivessem habituados a colocar as meias dentro das sapatilhas, tinham algum cuidado em guardá-las em lugar seguro, porque sabiam que elas iriam ser liquidadas.

A Cacau gostava sobretudo da ponta do pé das meias! Era vê-las, aos cantos, furadas e sem serventia!!! Se apanhasse os chinelos, a solução teria de ser o balde do lixo!

Quando a gata teve de ser oferecida a amigos, porque o rapaz mais novo tinha ataques severos de asma e ia parar ao hospital, a Cacau passou a conviver com o nosso velho Max e os chinelos deixaram de ser alvo das suas dentadas, mas, sem pensar no castigo de poder ficar sem biscoitos, continuava a mordiscar as meias de desporto que eram depositadas no parapeito da janela da cozinha, quando havia jogo e chegavam cheias de bolinhas da relva sintética. O dono esquecia-se do local onde deixara as meias, e como ela conseguia chegar ao parapeito, a ponta dos pés das “ditas cujas” era abocanhada.

Durante quatro anos, a Cacau tornou-se companhia amistosa e uma protetora vigilante dos últimos dias de vida do nosso Max: dormia encostadinha a ele, passava o dia a mordiscá-lo, motivava-o a obedecer e a movimentar-se. Quando chegou a hora de partir, a Cacau sentiu, como todos nós, a ausência do amigo e olhava para tudo de sobrolho carregado de tristeza!!!

No entanto, se havia uma meia perdida no chão ou colocada distraidamente no seu território de circulação, sofria o mesmo que às suas congéneres.

Resultado: nesse dia, quando a dona a advertia da culpa, com o dedo em riste, baixava a cabeça a olhar para a gaveta dos biscoitos, com o sobrolho carregado de arrependimento, e aceitava o castigo, como sempre!!!

Comments

Popular posts from this blog

Em jeito de Despedida

À Maria do Céu Tostão